terça-feira, 20 de março de 2012

Falou então com um tom estranho, de pessoa que está estranha. Por que não era por natureza. Evan era tão comum quanto domingos quietos numa cidade pequenina. Seu tom de voz estava elevado. Mas mesmo assim havia doçura no olhar. Levantou-se, deixou a xícara na mesa de canto cor de madeira, e desabou:

- Menina, então me diga, qual é o sentido de você ter algo com ele se depois, você sabe, vai virar pó?
- Eu tô vivendo, virando pó ou não eu vivo.
- Mas qual é o sentido?
- O sentido é não ter sentido.
- Não ter sentido? Você não sentiu? Disse que sentia muito.
- Não tinha sentido mas eu senti muito. 
- Ele não te ama, não sente nada por você. Por que corre atrás? Parece que gosta de se humilhar.
- É por que gosto, e se gosto não desisto. 
(Silêncio)
- Eu sinto...
- Sente o que? Muito? Agradeço mas dispenço lamentações alheias, mesmo vindas de um grande amigo como você.
- Sinto muito...
- Pare!- Interrompeu.
- .. amor.
- Oi?
- Eu não estou só dizendo.
- Dizendo amor de uma hora para outra?
- Ele só disse. Eu sinto.
- Não entendi..
- Ou finge que?
- É.... Sinto muito não sentir muito por você.
- Amor não escolhe, eu entendo.
- É..
- Quando virar pó, continue vivendo. Assim como eu vou continuar esperando, pelo dia que você possa sentir muito. Por mim.

Sem resposta, o silêncio tomou conta da sala que parecia estar vazia. Então Evan, educadamente, virou e foi embora, sem olhar para trás.
E sussurrou para si mesmo: ''Que a espera não seja maior do que o amor que eu sinto. Porque doí. Doí.''


(Pequeno trecho do segundo capítulo de um futuro livro escrito por mim. Ainda sem revisões.)


Françoíse A. Machado.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Que transbordem coisas boas, e as ruins sejam sufocadas. Baú, menina, é um lugar sombrio. Lembre-se, o que é bom tem que estar num lugar bonito.

                                                   


Eu ando meio distante, sabe. Não sabe, ninguém sabe de nada. Às vezes acham que sabem, mas é só isso.
Estou meio distante de coisas e pensamentos que antes eram só meus, e agora são do meu, do meu passado. Tô deixando coisas. (Coisaqualquer objeto inanimado; em sentido filosófico, coisa é tudo aquilo subsistente por si mesmo; a filosofia kantiana afirma ser uma coisa aquilo que existe independentemente do espírito; no sentido usual, como para o Direito, coisa é tudo aquilo que, percebido pelos sentidos, pode apresentar utilidade para o homem, caso em que se chama bem material ou espiritual.)

Tá lá, entende? Tá lá mas não ta aqui. Era só meu, e agora eu divido uns noventa por cento. Os dez por cento que me sobram é só pra lembrar que existiram e poder lembrar que foi meu, e ainda é um pouquinho.

Deve ser normal se desprender de gostos. Se não for, pode mandar prender, me condeno.

Escrevendo linhas sem sentido como estas que agora escrevi, me pego lendo e relendo frases, e apagando, escrevendo e fazendo todo o ciclo novamente. Penso, quantas palavras foram apagadas e substituídas em menos de dois minutos, com um breve e medíocre julgamento de quem achou que não estava bom? E nem tinha que ser, e nem é. Se é espontâneo, oras.  E qual critério foi utilizado? O meu, é claro. E olha que nem critério eu tenho.

Acho que a vida é assim também. Sem critérios.
Alías até tem, mas a gente acaba esquecendo. Ou fingindo que.

A vida é um amontoado de coisas. Assim que eu vejo.
Das boas, ruins, e das mais ou menos que, em alguns casos, ocupam o fundo do baú e que eu já coloquei numa posição mais e menos. Tirei o ou. 
Estranho, mas são as ruins que transbordam. As coisas boas a gente nem sempre lembra, até porque às vezes deixamos passar despercebidos os acontecimentos bons. Distração. Ou por achar que coisa boa está distante, mas tá perto. Tá num sorriso, tá num olhar, tá.
Mas a gente amontoa mesmo. Pensamentos, gostos, musicas, livros, histórias, palavras. E não tem critério maior do que o nosso. Porque na verdade, nós vamos fazendo tudo do nosso jeito. Não importa qual. E quem se importa sofre. Porque o mundo vai  julgar, não importa o que você faça, o que você pense. Enquanto uns acham lindo, outros vão achar a coisa mais idiota e inaceitável.

Estou fazendo o meu montinho também. Mas deixando transbordar as coisas boas, estou tentando não deixar passar nada, nadinha. No meu baú só fica dentro aquilo que não me serve mais, que não preenche, que não faz diferença. As mais ou menos eu nem tenho mais, não quero mais meios termos. Ou é bom, ou é ruim.
E as boas eu vou deixar pertinho de mim, bem pertinho. E não tem lugar melhor para guardá-las do que num lugar onde o pulsar é constante,  que nem o tempo pode levar, e só vão poder tirar de mim se me tirarem a vida também: Nele, nele mesmo, no coração.



Françoíse A. Machado.



Escrito ao som de One, U2.